Sempre tive uma paixão muito espessa por palavras. Desde miúda me lambuzava com as redações da escola primária para poder ser mais do que eu. As palavras davam-me uma espécie de vida extra, como se, de repente, a professora me pudesse olhar para lá da menina que não sabia a tabuada. Até hoje, a tabuada me faz impressão, soa-me a secura.

As palavras sempre fizeram parte da minha vida como coisas a que me agarro para me perceber. Sei que, às vezes, também atrapalham, mas não as consigo abandonar.

Vim a descobrir, mais tarde, que a minha forma dominante de interpretar o mundo e olhar para ele é essa, preciso de ouvir para me sentir viva, preciso de usar as letras todas juntinhas para perceber que a existência está ali. Não sei se foi por isso que escolhi ser professora, acho que não, essa escolha deveu-se a uma inocência vinda do fundo de uma gaveta que estava no fundo de um armário que já não existe.

Descubro agora que, por causa das palavras e do impacto que elas têm em mim, é nas aulas de filosofia, nas sessões de coaching, nas conversas com os amigos, ou no diálogo interno, que essa paixão espessa sobressai porque está ali o alimento que me nutre. As palavras são o gatilho para ir em frente, para correr ou congelar, para rir ou para chorar, para ir ou para ficar quieta a olhar para aquela espessura que se adensa ou se derrete.

É a união das letras numa palavra e, depois, de muitas palavras numa frase, que permite entregar o que cá dentro existe, é essa dança entre as palavras que traz a clareza ou a confusão, que desperta, instiga, provoca, fomenta, encoraja. Às vezes as palavras estão dentro do silêncio, é preciso ter ouvido apurado para que se oiçam.

O Camané canta um fado que começa assim: “São as palavras que eu digo, meu abismo e meu abrigo, partilha de pão e espanto, lucidez que desatina, chão sagrado onde germina, a semente do meu canto.”

E no fim destas palavras postas em cima de um fundo branco, resta-me assumir, como Miguel Esteves Cardoso, que “as palavras são indispensáveis a quem tenha necessidade de escrever ou falar”, e acrescento, as palavras são aquilo tudo a que me agarro para poder existir.

Paula Capaz

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